A lei dos Direitos Autorais, que foi promulgada em 2008, deverá passar por uma discussão ao longo do ano.
24/02/2010Pagar até para ter TV ligada
A placa no fundo do restaurante é taxativa: o aparelho de televisão, que antes ficava ligado durante o horário de almoço, já não está mais no local. O motivo é a lei 9610/98, que protege os direitos autorais de artistas e prevê a cobrança de uma taxa para estabelecimentos que mantiverem rádio ou TV ligados a qualquer hora do dia. A taxa varia de acordo com o tamanho e o tipo de comércio, mas causa dúvidas em quem está do outro lado do balcão.
Marcos Matoso, dono do Restaurante Campeiro, recebeu a visita dos agentes do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Eles são responsáveis pela cobrança e pelo repasse dos valores às associações de músicos. Marcos costumava deixar a televisão de 29 polegadas ligada durante três horas por dia, tempo suficiente para servir o almoço, e achou estranho ter de pagar mais uma taxa, além das tantas que já paga para manter o negócio.
Vieram três agentes, se apresentaram, fizeram uma série de perguntas, deixaram uns materiais e me notificaram a pagar cerca de R$ 56 por mês se eu quisesse continuar usando a televisão, conta. A decisão do dono foi retirar o televisor para não aumentar os gastos fixos mensais. Eu não passo DVD e nenhum tipo de música. Deixava sempre no canal aberto, no jornal. Se a emissora quisesse me cobrar, seria mais fácil de entender. Mas para quem vai esse dinheiro?, questiona o comerciante.
Outros estabelecimentos do Bucarein também foram alvo do Ecad. Zélia Leal de Oliveira, do Restaurante e Lancheria Grill, tem um aparelho de TV pequeno, restrito a apenas parte das pessoas que costumam almoçar ali. Mesmo assim, ela aceitou pagar a taxa de R$ 62,33 mensais para não ter de abrir mão do que considera um conforto a mais para o cliente. Já não bastam todas as taxas, agora mais essa, reclama.
Para o presidente do Sindicato dos Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de Joinville, Fernando Sanjuán, por mais que a lei pareça incoerente, não há como descumpri-lá. É como os impostos que a gente paga. Nem sempre concordamos, mas temos de pagar. Podemos é trabalhar para questionar a lei, mas enquanto ela não muda, não há o que ser feito, afirma.
Restaurantes teriam lucro indireto com TV
Para o agente credenciado do Ecad na região, Rafael Schott, o objetivo da abordagem é explicar a lei e fazer a regularização dos estabelecimentos que usam a televisão. Estes locais têm um lucro indireto em cima do que passa na televisão. Novela tem música, propaganda tem música e até as vinhetas têm direitos autorais, explica.
Segundo ele, três agentes são responsáveis pela fiscalização em Joinville e em outras seis cidades da região. Há dias em que pelo menos cem lugares diferentes são visitados.
O cálculo é feito em metros quadrados e também varia de acordo com a sonorização do ambiente. Mas se ligar a televisão, nem que seja por dois minutos, já tem de pagar os direitos autorais, completa.
De acordo com Schott, o valor arrecadado é distribuído indiretamente e por amostragem para artistas espalhados pelo Brasil. Nas cidades com população acima de 300 mil habitantes, a taxa é maior do que nos municípios menores. Mas todos obedecem as mesmas regras.
Lei passará por consulta pública e revisão
A lei dos Direitos Autorais, que foi promulgada em 2008, deverá passar por uma discussão ao longo do ano. De acordo com o professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Marcos Wachowicz, a proposta de revisão será encaminhada para consulta pública e para o Congresso no próximo mês.
Segundo o professor, são necessárias reformulações no documento, mas, no caso do Ecad, o que deve ser questionado é o destino da arrecadação. O Ecad vem adotando uma política de cobrança no varejo. Quer dizer que, cada vez mais, os fiscais estão nas ruas, em bares, restaurantes, lojas, salões de beleza, escolas e festas realizadas em clubes e bufês, mesmo que sejam eventos particulares. A questão central do Ecad é o destino desta arrecadação, é que a fiscalização seja realizada de forma transparente e clara para todas as partes envolvidas. argumenta.
O professor lembra, ainda, que a arrecadação do órgão vem crescendo a cada ano. O Ecad, nos últimos anos, teve um aumento de mais de 450% de sua arrecadação, que em 2009 passou a casa dos R$ 110 milhões, comenta. O Brasil já teve um órgão estatal para regular o mercado com o Conselho Nacional de Direitos Autorais, que deixou de funcionar em 1990. Foi um atraso, uma perda. Agora temos que recuperar o tempo perdido.
Fonte: A Notícia - edição 24/02/2010